Creio que, em japonês, não há expressão de sentido mais
profundo e subtil do que “mono o shiru” (o saber das coisas). Considero-a de
difícil interpretação, por isso vou tentar esclarecê-la o melhor possível.
Analisando essa expressão, vemos que ela significa
experimentar ilimitadamente tudo que existe no mundo, penetrar, captar a essência
das coisas e exprimi-la de alguma forma. Ou melhor, descobrir o segredo de
medir a acção e as consequências de determinado problema. Ao contrário, se
alguém exibir teorias infantis, agir levianamente ou praticar acções sem
perceber a censura e o desprezo dos outros, significa que não tem visão nem
saber das coisas. Pertence ao grupo daqueles que se costuma chamar de imaturos,
infantis ou grosseiros.
Esclarecido é quem possui vasto saber. Por aí vemos quão
grande é o número de homens imaturos que não possuem esse saber das coisas,
inclusive entre os homens públicos. Eles procuram exagerar e fazer alarde de
questões insignificantes, sem se dar conta de que estão atraindo o desprezo dos
esclarecidos. O seu comportamento nada mais é que a demonstração de sua própria
inferioridade. Tais indivíduos são, infalivelmente, umas nulidades, homens de
conceitos restritos (“Shojo”).
A eficiência e o crédito são sempre prejudicados pela acção
dessas criaturas medíocres, empenhadas somente em elevar sua própria fama.
Certamente é por causa de tantos elementos sem maturidade que não se consegue
chegar a conclusões e resoluções mais rápidas nos debates políticos de hoje. Se
a maioria fosse esclarecida, seria fácil um acordo. O problema é que os
esclarecidos se retraem no silêncio, por detestarem discutir com gente teimosa.
Os imaturos aproveitam essa oportunidade para se exibir, desejando tornar-se
famosos, e a fama aumenta sua probabilidade de serem eleitos, por ocasião das
eleições. Sendo assim, os menos esclarecidos representam a maioria, e os
esclarecidos, a minoria. Uma prova disso é o facto e a necessidade de se passar
longo tempo discutindo um problema – às vezes de somenos importância – para se
encontrar uma solução.
Mas a verdade é que, apesar de os homens mais esclarecidos
aparecerem menos, por serem modestos, suas opiniões acabam sempre triunfando. E
isso não se limita ao mundo político. É natural, em todos os sectores da
sociedade, que aqueles que são conhecidos pela sua competência sejam homens
relativamente esclarecidos.
Até aqui me referi à parte moral. Passarei, em seguida, para
o campo da Arte, que eu considero o melhor meio para explicar o presente
assunto, já que a maioria dos homens esclarecidos são, ao mesmo tempo, dotados
de senso estético muito elevado.
Exemplifiquemos, primeiramente, com o príncipe Shotoku, cujo
vasto conhecimento sobre a cultura budista, principalmente na parte artística,
ninguém poderá deixar de reconhecer. Temos a prova disso no Templo Horyuji e em
outras construções, que ainda conservam o esplendor da sua magnificência. A sua
famosa “Constituição dos 17 Artigos” pode ser considerada a base da lei
japonesa.
Também podemos citar Yoshimassa Ashikaga, que, embora tenha
sido muito criticado em outros sectores, na parte artística deixou-nos uma obra
notável. Além de construir o Templo Guinkakuji (Pavilhão de Prata), foi
apreciador da arte chinesa, tendo coleccionado objectos artísticos das eras Sung
e Ming. Incentivou grandemente a arte japonesa, e as obras raras e valiosas
criadas por sua iniciativa, conhecidas como “Obras preciosas de Higashi-yama”,
ainda hoje deleitam o nosso senso artístico. O seu trabalho é realmente digno de
louvor.
A maior honra, no entanto, desejamos conferir a Hideyoshi
Toyotomi (unificador dos feudos, no ano de 1573). Ao lado de sua exuberante
criação artística, intitulada “Momoyama”, devemos salientar o brilhante impulso
dado por ele à arte da Cerimónia do Chá – cuja existência, até então, era
obscura – protegendo Rikyu Senno, mestre da referida arte, naquele século.
Graças a ele, houve um rápido desenvolvimento da cultura artística, e génios e
grandes mestres surgiram uns após outros. Não fazem excepção Enshu Kobori e
Chojiro, o génio da cerâmica. Este, como Ashikaga, além de obras japonesas e
chinesas, coleccionou famosos objectos artísticos da Coreia, dando um novo
impulso à cerâmica no Japão. Devemos lembrar, aqui, a existência de Koetsu
Honnami. Ele foi pintor e calígrafo notável, tendo criado uma nova modalidade
de “makiê” (arte que utiliza laca e madrepérola); na fabricação de cerâmicas,
foi inimitável, graças à sua originalidade e versatilidade. A sua maior
contribuição, que ele próprio não previra, foi ter influenciado, cem anos após
seu falecimento, o famoso mestre Korin Ogata, expoente máximo do Japão no sector
artístico, o qual foi admirador de Koetsu e o superou, conquistando grandiosa
fama. Também não podemos omitir os oleiros Ninsei e Kenzan. Desta corrente surgiu
Hoitsu, que se fez notar, também, pela sua habilidade artística.
A grandeza de Hideyoshi Toyotomi reside no facto de ter
compreendido a Arte ainda na mocidade e coleccionado obras-primas, o que não
deixa de ser algo surpreendente, dado que ele era filho de lavrador.
Geralmente, além de crescer sob condições favoráveis, ou melhor, na classe
acima da média, é necessário um grande esforço para se atingir o nível do
“saber das coisas”. Hideyoshi, portanto, é de facto um homem extraordinário,
pois atingiu esse nível apesar de sua origem humilde e de ter vivido
continuamente em campos de batalha.
Lancemos, agora, uma vista sobre a arte literária.
Na poesia, sobressaem, indiscutivelmente, Saigyo e Basho. As
obras destes dois expoentes revelam ter sido realizadas por quem realmente
possui o “saber das coisas”. Nunca deixo de admirar estes poemas, suas obras
principais:
“A solidão envolve
Até um coração indiferente,
Quando as narcejas levantam vôo do pântano,
Nos crepúsculos do outono.”
Saigyo (Waka)
“O canto das cigarras
Penetra no silêncio
E nas rochas.”
Basho (Haiku)
Uma pessoa que também merece ser lembrada é o aristocrata
Unshu Matsudaira, conhecido pelo nome de Fumai. Ele coleccionou inúmeras obras
de arte, classificou-as, protegeu-as da dispersão e deu impulso à Cerimónia do
Chá. É digno de toda a nossa consideração.
Entre os esclarecidos da época moderna, citaremos o falecido
actor Danjuro Itikawa.
Vimos, em linhas gerais, alguns dos principais
representantes da arte japonesa considerados esclarecidos. São homens
civilizados no mais alto grau, e é escusado dizer o quanto colaboraram para
alimentar a alma do povo, enriquecendo-lhe o gosto estético e elevando-lhe os
sentimentos. Naturalmente, todos sabem que as invenções, as descobertas e o
progresso do ensino contribuíram para a cultura da humanidade, mas convém
recordar a grande contribuição que, em silêncio, as obras dos esclarecidos
trouxeram à civilização.
Meishu-Sama, 15 de agosto de 1950
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